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15 outubro, 2015

Participação do 21o. Congresso Internacional de Educação a distância - CIEAD

Irei participar ministrando um minicurso e apresentando um artigo!

http://www.abed.org.br/hotsite/21-ciaed/pt/minicursos/

25 março, 2015

Sobre as discussões sobre a redução da maioridade penal...

UNESCO apresenta vários motivos...
https://18razoes.wordpress.com/2015/03/24/reducao-da-maioridade-penal-para-adolescentes-os-riscos-do-oportunismo-2/#more-1242

15 março, 2015

Redemocratização incompleta perpetua desigualdades no Brasil, diz relatório.
O relatório final da Comissão da Verdade "Rubens Paiva" afirma que a segurança pública militarizada e a educação precária, heranças da ditadura, mantêm a sociedade desigual.

http://www.cartacapital.com.br/sociedade/redemocratizacao-incompleta-perpetua-desigualdades-no-brasil-diz-relatorio-573.html

Em semana da apresentação de um documento tão importante a maioria das pessoas estava preocupada se um tal personagem de novela ia morrer ou não...nesta mesma semana pessoas gritam enfurecidas por um impeachment que tiraria UMA pessoa, enquanto 1/3 do congresso e/ou senado estão nomeadamente envolvidos no maior escândalo DESCOBERTO no país...Me desculpem os que insistem em achar que se tem que ir pra rua pedir a saída de UMA pessoa, aproveitem que estão por ai e peçam a VERDADEIRA MUDANÇA DA POLÍTICA BRASILEIRA.
E sejam vocês mesmos os agentes de mudança, começando pela própria vida, pq reclamar que os outros não fazem é fácil.
Por favor, aprofundem as discussões...tem gente pedindo MESMO o retorno da ditadura militar!!! Por favor, me poupem.Aliás, melhor, me surpreendam...
ok, não consigo ficar quieta...
Nesta semana que passou alguns alunos muito queridos me escreveram ou me procuraram dizendo que deixariam de estudar por não estar conseguindo o FIES. Fiquei muito triste e tenho acompanhado muito de perto a angústia de tantos alunos como eles, inclusive com algumas ações na faculdade para ajudá-los enquanto o aditamento não sai...
Sei que é difícil pensar no futuro estando tudo tão incerto (eu que o diga) mas perguntei a uma dessas alunas desde quando ela tinha FIES...e ela disse que tinha 50% de Prouni e 50% de FIES desde que começou a faculdade, três anos atrás...e que se não fosse por isso nunca teria conseguido entrar numa faculdade...eu sei o quanto é difícil pensar em uma faculdade vindo de uma família que nunca pode estudar pois foi assim comigo, mas que ela já tinha ido tão longe que devia continuar tentando... no final da nossa conversa ela disse que continuaria tentando pois falta tão pouco pra terminar...fiquei orgulhosa e triste...Orgulhosa pela força dela e triste por ver que as políticas públicas não se mantém em função de interesses políticos mesquinhos...
Muitos conseguiram estudar nesses últimos anos com as bolsas e financiamentos, que agora ficaram tão difíceis...mas muitos já se formaram ou estão perto disso, e parece que nada tem valor...
Eu tive graduação gratuita, mestrado com bolsa e estou lutando no doutorado onde as verbas não chegam tão facilmente...sou de uma classe que há 20 anos não teria a menor chance de colocar os pés numa universidade, e já passei por duas e estou na terceira como aluna e pretendo um dia estar como professora...Há 20 anos, eu nem sonhava...
Vamos fazer as devidas críticas, vamos cobrar postura ética, mas não vamos ignorar a realidade. Não precisei viver a ditadura militar para sofrer a dor de quem deu a vida pela democracia...Mas vamos fazer uma democracia verdadeira, com discussão ampla e irrestrita, profunda e não rasa como tantos gritos que vemos por ai...vamos cobrar mas antes vamos olhar para nós mesmos e vermos o quanto somos corruptos nas pequenas coisas da vida...corrupção não é questão de tamanho, é questão de atitude, ou se é ou se não é. Quer cobrar, cobre, mas junte a isso um pouquinho mais de coerência...e um pouquinho mais de conhecimento histórico (não, leu na veja ou viu na rede globo não vale, não vale mesmo, a manipulação começa ai) e bom senso para discutir de forma aprofundada um tema que é tão importante pra nossa nação.
LUTAR É PRA TODO DIA!


Na sexta-feira várias pessoas foram às ruas pela REFORMA Política. Hoje muitas foram por várias coisas, de algumas que eu vi: impeachment da Dilma, Volta da ditadura militar, volta do imperio (vi uma foto de uma bandeira do Brasil imperial, mas tão dizendo que é a volta da novela), fim das ideias de Paulo Freire e tantas outras bobagens que não dá nem pra explicar...
Não por acaso estou escrevendo um artigo pro doutorado sobre a importância da formação política adequada para a implantação de políticas públicas coerentes para a emancipação do ser humano, ao invés da besteira infindável que vemos por aqui...enfim, segue uma parte do texto, ainda em processo de construção, e gostaria muito das intervenções dos amigos (coxinhas, isso não é para vocês)...

Discutir a questão da educação ideal é de extrema relevância, visto que atualmente ainda vivencia-se uma educação que não promove a verdadeira autonomia a seus educandos. Debate-se que boa parte do problema deve-se à formação de professores, arcaica e deficitária, que não é capaz de prover à sociedade indivíduos que pensem criticamente a própria vida e a vida em grupo, reproduzindo assim o status quo e impedindo a evolução do sujeito e do cidadão.
Repensar a formação dos professores e, portanto, a revisão do currículo desta formação é fundamental se há de fato pretensão de mudança, mas com ideologias falseadoras e arraigadas essa questão se coloca em um nível mais profundo de questionamento, que é o da possibilidade real da escola ser veículo de mudança [EB1] ao invés de reprodutora da ideologia dominante e da classe política atual que não parece ter interesse em prover as mudanças necessárias para garantir uma formação emancipatória. Mais do que isto, pode-se acrescentar também esta pergunta: que tipo de homem deve responsabilizar-se pela política? Isto é, não se trata apenas de possuir um saber que seria acessível a qualquer indivíduo conquistar, pois se assim fosse teríamos por resolvido apenas um lado da questão. Há outro lado que também deve ser considerado e que se define em termos éticos: não é suficiente conhecer, é preciso usar bem o que se conhece. Partindo-se dessas premissas, o objetivo fundamental deve artigo é o de discutir como o político deve encaminhar suas discussões, especialmente no que se refere às políticas educacionais, de modo a promover uma formação crítica e emancipadora, ao invés da manutenção da alienação corrente. Neste artigo pretende-iniciar uma discussão que cerca o tema tomando como ponto de partida a relação de poder que se estabelece em um estado democrático e como seria possível a formação de um político mais crítico e propositivo, o que implicaria políticas públicas educacionais capazes de formar professores cientes de sua função social e capaz de desenvolvê-la. Para tanto, utilizou-se da crítica platônica à democracia grega para demonstrar que a formação política é fundamental, mas que se feita de maneira inadequada só serve aos interesses da minoria que detém o poder e que pretende reforça-lo, algo que vai de encontro ao preceito democrático. Pretende-se demonstrar que aquilo que Platão vislumbrou no século V.I. a.C continua de certa maneira presente no mundo atual em forma da alienação da maior parte da população de conhecimentos suficientes para compreender o processo do poder o que a impede de passar a ser parte influente no processo decisório das políticas públicas de modo geral e da educação de modo particular. Parte-se, portanto, da problemática de qual o tipo de político deve-se possuir em um Estado para garantir que a formação acadêmica seja voltada para a liberdade dos indivíduos, e não o contrário. O objetivo deste artigo é promover o debate inicial que será a base para, em artigos posteriores que serão finalizados em uma tese de doutorado, retomar a discussão sobre como proporcionar a formação de professores críticos e conscientes para a mudança real na sociedade brasileira verificando como Platão discorreu sobre a possibilidade do ensino da virtude e como essa possibilidade de ensino pode prover à sociedade cidadãos capazes de alterar as políticas públicas de maneira a garantir educação emancipatória para todos.






 [EB1]Ver foucault
Tentativa 875 de retomada do blog ...

20 abril, 2014

Levar para a discussão em sala de aula de ética!
http://www.budavirtual.com.br/etica-alem-da-religiao/

04 fevereiro, 2014

sobre os auto-enganos

Preferir os auto-enganos é ignorar nossa possibilidade de atitude crítica. Nenhum auto-engano permanece mais tempo do que o necessário para provar o quanto não é verdade que feliz é quem se engana, quem finge não ver. Somente a verdade é sempre libertadora. Relendo um dos livros mais interessantes dos últimos anos.

"Este é um livro sobre as mentiras que contamos a nós mesmos. Mentimos para nós o tempo todo: adiantamos o despertador para não perder a hora, acreditamos nas juras da pessoa amada, só levamos realmente a sério os argumentos que sustentam nossas crenças. Além disso, temos a nosso próprio respeito uma opinião que quase nunca coincide com a extensão de nossos defeitos e qualidades. Sem o auto-engano, a vida seria excessivamente dolorosa e desprovida de encanto. Abandonados a ele, entretanto, perdemos a dimensão que nos reúne às outras pessoas e possibilita a convivência social.
O problema é que as mentiras que nos contamos não trazem seu nome verdadeiro estampado na fronte. É preciso, por isso, analisar os caminhos que nos levam até elas: encontraremos aí a origem de grandes conquistas e alegrias, mas também dos sofrimentos que muitas vezes causamos a nós mesmos e às pessoas que nos cercam."

10 janeiro, 2014

Meu Tchaikóvsky se foi...

Cheguei hoje de São Paulo e fui buscar meu Tchai na casa da Amanda,ela, o Alexandre e a Dona Maria fizeram mais uma vez a enorme gentileza de ficar com ele enquanto estive fora. Ele estava embaixo da cama e só balançava o rabinho, não saia, então eu o peguei e fui com ele no colo até a sala, quando de repente ele ficou todo mole...mais uma vez ele tinha desmaiado, na verdade teve uma parada e nós saímos correndo no carro atrás de um veterinário...no caminho via a face angustiada do Alexandre e tinha medo de perguntar, mas ele disse que estava sentindo o coração dele, só que bem levinho...chegamos lá, a médica fez massagem cardíaca e eu sai da sala pois não conseguia ver aquilo...chorava, e meus irmãos do coração me abraçaram...nem sei o que seria de mim sem os dois comigo, nunca poderei agradecer...e quando mandaram chamar alguém eu não fui, esperei, na verdade queria ter esperança por mais alguns segundos...

Meu Tchaizinho se foi...meu companheirinho de quase 15 anos. Num dia em que voltei tão triste para Fortaleza, num período tão difícil da minha vida, com a perda da minha vó, com tantos desencontros e desesperanças, mais essa. Pensando em responder a pergunta que minha sobrinha me fez,sobre meu companheiro só posso dizer que não, não devo morrer agora, mas sem dúvida um pedacinho de mim se foi com meu tchaicovildo...




01 janeiro, 2014

O primeiro dia do ano de 2014

2013 foi um ano intenso. Em muitos sentidos, bons e maus. Eu sei que tenho a tendência a reclamar muito dos problemas mas, paradoxalmente, costumo não fugir a eles. Lutei pelo que precisei lutar, mesmo sabendo que minhas forças poderiam se acabar com isso, mas eu sou assim, não consigo simplesmente desistir ou fingir que os problemas não existem.
Hoje, ao assistir "A vida Secreta de Walter Mitty", de Ben Stiller, fiquei emocionada. A Cena em que ele lê o título da última capa da Life, antes mesmo de mostrar a foto, me fez encher os olhos de lágrimas. Sou uma chorona, uma sentimental, sei disso, muitas coisas que aos olhos dos outros parecem bobas a mim tocam profundamente. Ainda mais hoje, ainda mais agora...
Perdi minha avó materna ha 3 dias. Passamos 11 dias com ela no hospital, literalmente desde a minha chegada no aeroporto de São Paulo, na noite do dia 18. Nesses dias revi minha infância ao seu lado, mas vou escrever sobre isso mais tarde. Hoje, ao ir ao cinema com parte da minha família (meu irmão e minha sobrinha, que moram em Fortaleza, meu filho e a namorada, que moram em São Paulo) vivi a felicidade dos pequenos momentos que a vida em família nos proporciona. Passei por momentos muito difíceis ao esperar ligações de quem devia estar ao meu lado nesse momento de luto mas que, não sei por que motivo, simplesmente não estava, mas esse fato também me mostrou que não adianta esperar das pessoas aquilo que elas não estão dispostas a dar. Sofri muito. Estou sofrendo, mas tudo isso reforçou em mim a certeza de que, por mais problemas que a família possa ter, são eles que realmente estão ao nosso lado, não importa o que aconteça. Por causa deles minha força para lutar se renova e minhas pequenas desistências se justificam pois desistir do que é pequeno é o mínimo que se deve esperar de quem quer ser feliz.
Passei a virada do ano tentando pensar em quais as possibilidades de mudanças que 2014 pode me proporcionar, e ao assistir ao filme de hoje fiquei surpresa e feliz por ver que, não importa o quanto a gente acerte e não se reconheça isso, o que importa é cada tentativa em busca do que é justo, correto e que nos faz crescer como pessoa, mais que qualquer coisa. Não acredito que os fins justificam os meios. A vida é a caminhada, não o fim do caminho. Não vale fazer qualquer coisa a qualquer preço, há que se ter ternura e justiça no coração, por mais difícil que seja no mundo louco e competitivo que vivemos hoje. Há que se ter coragem. Nesses dias, mais que nunca, meu sobrenome fez sentido para mim. Que venham as batalhas, não tenho medo delas.

11 junho, 2013


Tantos dias, tantos meses longe daqui...
Nestes dias que passei sem escrever no meu blog estive em tantas histórias, em tantos momentos de alegrias, em tantas dificuldades, que justificariam voltar a escrever como antes...mas o tempo e o vento me levaram pra longe...
mas não tão longe que não possa voltar, que não deva...como um amigo querido que oferece o ombro, volto à procura do acolhimento que esse espaço sempre me deu.
Minha escrita sempre foi motivada pela dor, poucos são os escritos que não tratam de algum tipo de dor, pela injustiça, pela ignorância alheia, pelos amores que se foram, por perdas tantas...catártico, esse exercício me mantém viva...
em época de facebook ninguem mais lê blogs como o meu, então também me sinto um pouco sozinha agora...mas é um momento bom pra se ser sozinha...

04 novembro, 2012

Gonzaga - de pai pra filho

Eu estava grávida, a poucos dias do nascimento do meu filho, quando ouvi a notícia da morte de Gonzaguinha. Era nova demais para entender a importância de sua obra mas ela já me tocava profundamente, e naqueles dias de angústia e esperança fiquei ainda mais triste com sua morte prematura.
Hoje, Gonzaguinha é, sem dúvida nenhuma, um de meus cantores e compositores preferidos. Se um dia eu conseguir fazer uma lista com as músicas que mais me emocionam, com certeza terei ao menos duas ou três músicas dele entre as prediletas. Sangrando me faz chorar sempre que a ouço, e não há nenhum motivo daqueles comuns, como uma grande paixão ou uma grande decepção, somente a profundidade da música mesmo, com toda a sua beleza e emoção.
Adiei a ida ao cinema para ver Gonzaga. Sabia o que me esperava, e não sabia se conseguiria aguentar a emoção que esse filme me proporcionaria. Além de Gonzaguinha, que marcou minha adolescência e o início da vida adulta, Luis Gonzaga começou a entrar em minha história quando vim morar no nordeste. Ambos, hoje, são parte de minha memória musical afetiva.
O filme toca em um tema que me é especialmente difícil. Pouco contato tive com o meu pai, e nunca consegui entender o seu distanciamento. Com minha mãe, sempre vivi momentos difíceis que só a maturidade vieram equilibrar, mas um equilíbrio fragilizado por mágoas que não se apagaram. Meu filho cresceu rápido demais e eu não consigo ainda compreender suas escolhas, apesar de tentar respeitá-las. E tudo isso dói demais. Aliás, hoje, percebi que tudo isso dói mais do que eu gostaria de aceitar.
O filme começa com um show de um Gonzaguinha triste que, após um show, se vê sozinho ao lado do cigarro e da bebida, e nada mais. Uma mulher surge e diz que seu pai precisa dele. Ele diz que não vai.
Toda a trama envolve a memória e os motivos de ambos. Por mais que justificadas, as ações magoam e não é fácil superar a dor que elas causam. Uma cena especialmente dura pra mim é quando o pai diz pro filho que nunca deixou lhe faltar nada, e o filho responde: só faltou você. Uma fala gravada em uma fita cassete de uma marca muito maior que já ia na alma de Gonzaguinha. A grande angústia é que a dor que um proporciona ao outro parece doer ainda mais em si mesmo. E tudo isso com a trilha sonora que ambos criaram ao longo de suas carreiras. Poucas vezes eu vi o cinema inteiro chorando e aplaudindo. Mais que merecido.


15 agosto, 2012

sobre as saudades...sobre à beira do caminho...


Filmes sobre relações familiares sempre me tocam muito, especialmente quando envolvem distanciamentos que se justificam em dores, raiva ou orgulho. Se for um filme com trilha sonora do Rei, fica ainda mais difícil não se emocionar.
Fui ver “À beira do caminho”, de Breno Silveira, com o sempre fantástico João Miguel (me lembro do impacto que ele me causou em Cinema, aspirinas e urubus). A história cheia de sutilezas vai se desenrolando em flash back enquanto o caminhoneiro cruza o país pelas estradas, substituindo à contragosto sua quase teimosa solidão pela presença de um menino que mudaria sua vida ao buscar pelo pai desconhecido depois da morte da mãe. A figura sisuda e desgrenhada do João atual é oposta àquela do sorriso aberto e dos olhos brilhantes, figura simpática e alegre contrastando com a tristeza da perda e do afastamento... Perdi as contas das vezes que chorei ao longo do filme, especialmente embalado pelas músicas de Roberto Carlos. Ao final, a sensação de que eu viverei eternamente com saudades...

12 agosto, 2012

sobre meu companheiro mais fiel...



Há 12 anos e alguns meses eu entrei numa loja e comprei uma bolota de pêlos brancos sujos que depois descobri que não era branco, era champagne.  Dirigi até o colégio onde meu filho estudava e ainda me lembro da expressão de alegria e surpresa com a qual ele o viu pela primeira vez. Depois de duas Sophias, um Fidel e m Marx, ele decidiu que daria o nome àquela criaturinha, e eu temi por mais um nome de Pokémon. 
Tchaikóvsky. Vai se chamar Tchaikóvsky, mãe. Eu sorri por dentro tão intensamente que nem perguntei o motivo, medo de ter sido uma alucinação. Me lembrei dos livros infantis sobre as obras de artistas  como Da Vinci e Mozart que havia dado à ele e pensei que este era o motivo. Era, mas não o único. Uma geração de cachorros lindos chamados Beethoven faziam sucesso na TV. Eles tinham os Beethoven, nós teríamos o Tchaikóvsky.
Perdi as contas de quantos pares de sapato eu perdi quando o 10º tinha sido comido. Perdi a paciência com a sujeira e os latidos nas madrugadas, que seguem ainda hoje quando eu chego da rua (parece que alguém está tentando esganá-lo, tão angustiante é o seu grito). Mas nem sei o quanto ganhei nesses anos todos. Impossível medir o amor de qualquer ser humano por outro, mas acho que amor de cachorro já é medida absoluta, independe de qualquer coisa.
Um carro passou por cima dele e quase entrei em pânico ao ver tal cena, só vi um vulto passando correndo e entrando em casa, se escondendo debaixo da cama. Não tive coragem de ver e desesperada pedi ao vizinho que o fizesse por mim. Parte do seu “rosto” havia ficado no asfalto quando o carro passou por cima dele, mas não as rodas, só o fundo. Não consigo imaginar como ele sobreviveu àquilo. Acho que difícil pra ele foi usar aquele abajur enorme em volta do pescoço pra não lamber o ferimento.
Um dia minha mãe veio e, compulsva por limpeza que é, resolveu dar banho no Tchai. Esse banho não acabava nunca e eu fui ver o que era. Ela não se conformava com o fato da sujeira não sair. Tive que explicar que ele não era branco, mas champagne (a cor que o veterinário colocou na carteirinha de vacinação dele). Aquilo não era sujeira. Mas ele ficou uns bons dias com a pele toda vermelha. Hoje ele tem partes cor-de-rosa. Mudou.
Ele engravidou minha pastora alemã e minha pit Bull. Acho que elas colaboraram. Há, esqueci de dizer que aquela bolota branca é um poodle. E não era micro (nem “puro”) como me disse o vendedor (não importava o que ele dizia, eu ia levá-lo de qualquer jeito). Vários e vários filhotes nasceram disso, mas não vi nenhum adulto, seria engraçado ver como ficaram.
Nos mudamos não sei quantas vezes. Numa dessas, o menino que o olhava com olhos doces no primeiro dia e em todos os outros nos deixou. Outras tantas pessoas passaram, ele sempre se entregando naquele amor incompreensível para um humano. Acho que só os cachorros entendem de verdade o amor...
Onde quer que eu vá, ele está ao meu lado. Já não enxerga direito, mas conhece os caminhos e os cheiros. Quando há um novo obstáculo, ele tropeça, mas continua. Há alguns meses meu Nietzsche se foi. Ele procurou no carro quando voltei sozinha pra casa. Adotei um outro cachorrinho para fazer companhia a ele sem ter entendido que em sua velhice ele quer sossego, e não um novo companheiro chato que fique tentando morder seu rosto para fazê-lo brincar. Acho que no fundo a adoção foi muito mais por mim que por ele.
Hoje minha sobrinha fez o que criança faz tão bem, que é falar a verdade, sem amarras nem medos.
... Tia, você vai morrer quando o Tchai morrer né...


05 julho, 2012

sobre a escatologia do ser


o dia passou intranquilo e rápido demais para dar ao tempo o tempo preciso para diminuir as mágoas que o próprio tempo gerou. sabia-se doído e por isso decidiu esconder-se no abrigo de sua solidão para recompor os movimentos que sobrepujavam sua alma também intranquila, caída e torta, levando-o como pluma ao vento e deixando-o cair em qualquer esquina como parte destituída de sentido. Buscou na lua plena um toque de sensibilidade que o enviasse para além da vida que o impeliria à morte, mas o cruel dessa vida levou-o de volta ao chão que mantinha seu corpo acima do limbo, apesar de todo o seu ser já há muito estar lançado à escatologia própria do ser que de humano pouco ainda tinha, tão desprovido daquilo que em nós nos faz enganosamente maior. Sentiu frio com o vento que vinha do norte e pendeu para o lado como galho torcido prestes a quebrar. Deteve-se um momento antes de deixar-se levar pela ânsia que o invadia e tomado por um instante de lucidez jogou-se no chão como quem se defende de um ataque aéreo. Mas em instantes percebeu que para o ataque a que estava prestes a sofrer, nenhum tipo de defesa seria possível. Vencido, dobrou-se como os sinos que avisam que a tragédia chegou.

sobre pouco, quase nada, do muito que poderia ser

uma onda de desânimo foi invadindo muito lentamente sua alma como sol que se põe e só o que se percebe são as mudanças nas nuances coloridas no céu.Olhava em volta como se estivesse em um mundo paralelo, vendo os gestos, ouvindo as vozes mas não se sentindo parte deles, como em câmera lenta em outra dimensão. Tentava se desvencilhar daquela angústia mas impedido que estava, deixava-se pender de um lado ao outro em busca do copo barato com a bebida agora quente. Como em sonho, buscava se desvencilhar das cordas que o amarravam mesmo sabendo que não havia corda alguma além da desesperança. Por muito pouco apegava-se, pelo mesmo pouco era capaz de voar para outra dimensão como águia faminta que desdenha até os mais bravios perigos pelo simples fato de saber-se capaz de voar mais alto sem deixar-se abater. Sabia-se vencido, mas mesmo assim voou.

04 junho, 2012

sobre angústias outras...

vagou entre os pés das pessoas em seus sonos etílicos com um misto de esperança em encontrar alguém acordado e medo de ser visto encarando caso um deles acordasse. Sua angústia tinha nome e sobrenome, tinha cor, tinha sorriso e choro, tinha amigos, tinha sonhos, e não é possível se esconder de uma angústia assim tão definida, tão presentificada. Mas como a maioria das angústias, essa não vinha sozinha, transmutava-se em outras ainda maiores e mais amargas, em lembranças tristes ofuscadas constantemente pelo álcool ou pelo trabalho, mas ali não havia nem um, nem o outro. Angústia, angor, um estreitamento, um apertamento que dói. Lembrava que saudade não é só de uma pessoa, mas dos sonhos sonhados juntos, dos amigos compartilhados, das vitórias iniciais que poderiam ser ainda maiores, saudade do que não se viveu... Pensava em tudo o que fazia sabendo que não devia fazer, mas quem é que determina o que se deve ou não fazer? Pensou que as convenções que criticam certos atos são ridículas e deve-se sempre rir delas, e que a melhor maneira de se rebelar é agindo exatamente assim, como filho rebelde que faz exatamente o que os pais não querem somente pelo prazer edipiano de contestação. Até que um dia se começa a ver que o problema não está nas convenções, mas em tentar descobrir o que é certo ou errado em função dos desejos mais amplos, mais profundos, mais verdadeiros, mais íntimos. Que o que alguém define como certo pode não ser o certo pra você, e que por isso mesmo não há como definir em regra o que se deve esperar de sí mesmo. Que cada ato tem uma reação e que não é possível fugir de certas perdas. Que o que muitos chamam de liberdade pode ser a maior das prisões. Ser livre não é fazer qualquer coisa, mas saber escolher aquilo que se deve fazer, e esse dever não está naquilo que seres pudicos determinam, mas em entender que certas ações podem ampliar ou reduzir suas chances de ser feliz...Se algo que se faz, faz bem momentaneamente, mas impede de vivenciar outras situações maiores e mais prazerosas, esse tipo de prazer acaba por impedir mesmo um grande prazer real. Mas como saber? Como fazer? Com quais prazeres se escolhe ficar? Por que não é possível ter todos ao mesmo tempo? Sim, não é justo, melhor seria se fosse possível sempre ter tudo (será?), mas nem sempre é possível dançar a noite toda e ainda ter alguém pra brincar e dormir junto depois...O bom da angústia é que chega um momento em que esse apertamento devanece, começa a afrouxar, para novos sonhos começarem a se formar, como tinta em tela que, uma vez sobreposta, engole o branco como o vazio foi engolido, aos poucos, e nem sempre, nem para sempre, mas com uma pequena força que cresce e toma seu lugar....

03 junho, 2012

sobre a vida e seus Instantes

ele entrou no carro e sentiu o silêncio que pesava, tão oposto ao estridente lá fora...seguiu devagar pelas ruas absolutamente inertes numa velocidade muito abaixo da ideal para quem vai sozinho pela vida. Dentre as possibilidades todas, escolheu a menos provável. Além de deixar o show mais cedo, iria mais cedo para casa.
Uma tristeza meio leve mas extremamente óbvia transportou-o pelo caminho. Revia seus passos nos últimos dias e não compreendia o que se passara. Tudo parecia em câmera lenta contrastando com a efusividade fútil anterior ao dia em que a beijou. Contrariando as obviedades, contrariando as possibilidades todas que o cercavam, foi naquele beijo e no carinho dela que ele simplesmente sentiu-se leve, como há muito não sabia...pelas obviedades que separam versos distintos, quando uma peça parece muito diferente da outra para encaixar-se pelas vicissitudes sociais, retraiu-se por um momento, como quem vive um sonho absurdo e acorda com medo que alguém tenha percebido...ouviu admirado alguém que indiretamente dizia que aquilo não era assim tão absurdo, que podiam viver a intensidade do momento sem pudores ou retraimentos. Ele, acostumado que era a retrair-se e por isso mesmo era tão criticado, decidiu mudar. Decidiu viver aquilo na intensidade que seu corpo pedia, que sua alma clamava, tomado pela voz doce e segura que o levava pelos belos caminhos que a noite trazia...Hermeneuticamente tentou compreender os sinais, embarcou neles disposto a mudar seu retraimento sempre tão combatido. Decidiu que tomaria as rédeas na transposição do rio da vida, que duraria alguns instantes, mas que poderiam ser inesquecíveis...E foi. Brincou; Mostrou-se. Desnudou-se. E morreu.

16 novembro, 2011

sobre religiões e preconceitos...

Eu não entendo, aliás, entendo (alienação histórica), mas não concordo: Por que os religiosos não aceitam a não religião dos ateus? Eles até aceitam que o sujeito tenha uma crença diferente da dele, mas acham abominável que não tenham crença nenhuma...tolerância, cadê você??

http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/noticia/2011/11/dura-vida-dos-ateus-em-um-brasil-cada-vez-mais-evangelico.html

ELIANE BRUM - 14/11/2011 09h59 - Atualizado em 14/11/2011 09h59

TAMANHO DO TEXTO

A dura vida dos ateus em um Brasil cada vez mais evangélico

A parábola do taxista e a intolerância. Reflexão a partir de uma conversa no trânsito de São Paulo. A expansão da fé evangélica está mudando “o homem cordial”?

ELIANE BRUM

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Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista (Foto: ÉPOCA)ELIANE BRUMJornalista, escritora e
documentarista. Ganhou mais
de 40 prêmios nacionais e
internacionais de reportagem.
É autora de um romance -
Uma Duas (LeYa) - e de três
livros de reportagem: Coluna
Prestes – O Avesso da Lenda
(Artes e Ofícios), A Vida Que
Ninguém Vê
(Arquipélago
Editorial, Prêmio Jabuti 2007)
e O Olho da Rua (Globo).
E codiretora de dois
documentários: Uma História
Severina e Gretchen Filme
Estrada.
elianebrum@uol.com.br
@brumelianebrum

O diálogo aconteceu entre uma jornalista e um taxista na última sexta-feira. Ela entrou no táxi do ponto do Shopping Villa Lobos, em São Paulo, por volta das 19h30. Como estava escuro demais para ler o jornal, como ela sempre faz, puxou conversa com o motorista de táxi, como ela nunca faz. Falaram do trânsito (inevitável em São Paulo) que, naquela sexta-feira chuvosa e às vésperas de um feriadão, contra todos os prognósticos, estava bom. Depois, outro taxista emparelhou o carro na Pedroso de Moraes para pedir um “Bom Ar” emprestado ao colega, porque tinha carregado um passageiro “com cheiro de jaula”. Continuaram, e ela comentou que trabalharia no feriado. Ele perguntou o que ela fazia. “Sou jornalista”, ela disse. E ele: “Eu quero muito melhorar o meu português. Estudei, mas escrevo tudo errado”. Ele era jovem, menos de 30 anos. “O melhor jeito de melhorar o português é lendo”, ela sugeriu. “Eu estou lendo mais agora, já li quatro livros neste ano. Para quem não lia nada...”, ele contou. “O importante é ler o que você gosta”, ela estimulou. “O que eu quero agora é ler a Bíblia”. Foi neste ponto que o diálogo conquistou o direito a seguir com travessões.

- Você é evangélico? – ela perguntou.
- Sou! – ele respondeu, animado.
- De que igreja?
- Tenho ido na Novidade de Vida. Mas já fui na Bola de Neve.
- Da Novidade de Vida eu nunca tinha ouvido falar, mas já li matérias sobre a Bola de Neve. É bacana a Novidade de Vida?
- Tou gostando muito. A Bola de Neve também é bem legal. De vez em quando eu vou lá.
- Legal.
- De que religião você é?
- Eu não tenho religião. Sou ateia.
- Deus me livre! Vai lá na Bola de Neve.
- Não, eu não sou religiosa. Sou ateia.
- Deus me livre!
- Engraçado isso. Eu respeito a sua escolha, mas você não respeita a minha.
- (riso nervoso).
- Eu sou uma pessoa decente, honesta, trato as pessoas com respeito, trabalho duro e tento fazer a minha parte para o mundo ser um lugar melhor. Por que eu seria pior por não ter uma fé?
- Por que as boas ações não salvam.
- Não?
- Só Jesus salva. Se você não aceitar Jesus, não será salva.
- Mas eu não quero ser salva.
- Deus me livre!
- Eu não acredito em salvação. Acredito em viver cada dia da melhor forma possível.
- Acho que você é espírita.
- Não, já disse a você. Sou ateia.
- É que Jesus não te pegou ainda. Mas ele vai pegar.
- Olha, sinceramente, acho difícil que Jesus vá me pegar. Mas sabe o que eu acho curioso? Que eu não queira tirar a sua fé, mas você queira tirar a minha não fé. Eu não acho que você seja pior do que eu por ser evangélico, mas você parece achar que é melhor do que eu porque é evangélico. Não era Jesus que pregava a tolerância?
- É, talvez seja melhor a gente mudar de assunto...

O taxista estava confuso. A passageira era ateia, mas parecia do bem. Era tranquila, doce e divertida. Mas ele fora doutrinado para acreditar que um ateu é uma espécie de Satanás. Como resolver esse impasse? (Talvez ele tenha lembrado, naquele momento, que o pastor avisara que o diabo assumia formas muito sedutoras para roubar a alma dos crentes. Mas, como não dá para ler pensamentos, só é possível afirmar que o taxista parecia viver um embate interno: ele não conseguia se convencer de que a mulher que agora falava sobre o cartão do banco que tinha perdido era a personificação do mal.)

Chegaram ao destino depois de mais algumas conversas corriqueiras. Ao se despedir, ela agradeceu a corrida e desejou a ele um bom fim de semana e uma boa noite. Ele retribuiu. E então, não conseguiu conter-se:

- Veja se aparece lá na igreja! – gritou, quando ela abria a porta.
- Veja se vira ateu! – ela retribuiu, bem humorada, antes de fechá-la.
Ainda deu tempo de ouvir uma risada nervosa.

A parábola do taxista me faz pensar em como a vida dos ateus poderá ser dura num Brasil cada vez mais evangélico – ou cada vez mais neopentecostal, já que é esta a característica das igrejas evangélicas que mais crescem. O catolicismo – no mundo contemporâneo, bem sublinhado – mantém uma relação de tolerância com o ateísmo. Por várias razões. Entre elas, a de que é possível ser católico – e não praticante. O fato de você não frequentar a igreja nem pagar o dízimo não chama maior atenção no Brasil católico nem condena ninguém ao inferno. Outra razão importante é que o catolicismo está disseminado na cultura, entrelaçado a uma forma de ver o mundo que influencia inclusive os ateus. Ser ateu num país de maioria católica nunca ameaçou a convivência entre os vizinhos. Ou entre taxistas e passageiros.

Já com os evangélicos neopentecostais, caso das inúmeras igrejas que se multiplicam com nomes cada vez mais imaginativos pelas esquinas das grandes e das pequenas cidades, pelos sertões e pela floresta amazônica, o caso é diferente. E não faço aqui nenhum juízo de valor sobre a fé católica ou a dos neopentecostais. Cada um tem o direito de professar a fé que quiser – assim como a sua não fé. Meu interesse é tentar compreender como essa porção cada vez mais numerosa do país está mudando o modo de ver o mundo e o modo de se relacionar com a cultura. Está mudando a forma de ser brasileiro.

Por que os ateus são uma ameaça às novas denominações evangélicas? Porque as neopentecostais – e não falo aqui nenhuma novidade – são constituídas no modo capitalista. Regidas, portanto, pelas leis de mercado. Por isso, nessas novas igrejas, não há como ser um evangélico não praticante. É possível, como o taxista exemplifica muito bem, pular de uma para outra, como um consumidor diante de vitrines que tentam seduzi-lo a entrar na loja pelo brilho de suas ofertas. Essa dificuldade de “fidelizar um fiel”, ao gerir a igreja como um modelo de negócio, obriga as neopentecostais a uma disputa de mercado cada vez mais agressiva e também a buscar fatias ainda inexploradas. É preciso que os fiéis estejam dentro das igrejas – e elas estão sempre de portas abertas – para consumir um dos muitos produtos milagrosos ou para serem consumidos por doações em dinheiro ou em espécie. O templo é um shopping da fé, com as vantagens e as desvantagens que isso implica.

É também por essa razão que a Igreja Católica, que em períodos de sua longa história atraiu fiéis com ossos de santos e passes para o céu, vive hoje o dilema de ser ameaçada pela vulgaridade das relações capitalistas numa fé de mercado. Dilema que procura resolver de uma maneira bastante inteligente, ao manter a salvo a tradição que tem lhe garantido poder e influência há dois mil anos, mas ao mesmo tempo estimular sua versão de mercado, encarnada pelos carismáticos. Como uma espécie de vanguarda, que contém o avanço das tropas “inimigas” lá na frente sem comprometer a integridade do exército que se mantém mais atrás, padres pop star como Marcelo Rossi e movimentos como a Canção Nova têm sido estratégicos para reduzir a sangria de fiéis para as neopentecostais. Não fosse esse tipo de abordagem mais agressiva e possivelmente já existiria uma porção ainda maior de evangélicos no país.

Tudo indica que a parábola do taxista se tornará cada vez mais frequente nas ruas do Brasil – em novas e ferozes versões. Afinal, não há nada mais ameaçador para o mercado do que quem está fora do mercado por convicção. E quem está fora do mercado da fé? Os ateus. É possível convencer um católico, um espírita ou um umbandista a mudar de religião. Mas é bem mais difícil – quando não impossível – converter um ateu. Para quem não acredita na existência de Deus, qualquer produto religioso, seja ele material, como um travesseiro que cura doenças, ou subjetivo, como o conforto da vida eterna, não tem qualquer apelo. Seria como vender gelo para um esquimó.

Tenho muitos amigos ateus. E eles me contam que têm evitado se apresentar dessa maneira porque a reação é cada vez mais hostil. Por enquanto, a reação é como a do taxista: “Deus me livre!”. Mas percebem que o cerco se aperta e, a qualquer momento, temem que alguém possa empunhar um punhado de dentes de alho diante deles ou iniciar um exorcismo ali mesmo, no sinal fechado ou na padaria da esquina. Acuados, têm preferido declarar-se “agnósticos”. Com sorte, parte dos crentes pode ficar em dúvida e pensar que é alguma igreja nova.

Já conhecia a “Bola de Neve” (ou “Bola de Neve Church, para os íntimos”, como diz o seu site), mas nunca tinha ouvido falar da “Novidade de Vida”. Busquei o site da igreja na internet. Na página de abertura, me deparei com uma preleção intitulada: “O perigo da tolerância”. O texto fala sobre as famílias, afirma que Deus não é tolerante e incita os fiéis a não tolerar o que não venha de Deus. Tolerar “coisas erradas” é o mesmo que “criar demônios de estimação”. Entre as muitas frases exemplares, uma se destaca: “Hoje em dia, o mal da sociedade tem sido a Tolerância (em negrito e em maiúscula)”. Deus me livre!, um ateu talvez tenha vontade de dizer. Mas nem esse conforto lhe resta.

Ainda que o crescimento evangélico no Brasil venha sendo investigado tanto pela academia como pelo jornalismo, é pouco para a profundidade das mudanças que tem trazido à vida cotidiana do país. As transformações no modo de ser brasileiro talvez sejam maiores do que possa parecer à primeira vista. Talvez estejam alterando o “homem cordial” – não no sentido estrito conferido por Sérgio Buarque de Holanda, mas no sentido atribuído pelo senso comum.

Me arriscaria a dizer que a liberdade de credo – e, portanto, também de não credo – determinada pela Constituição está sendo solapada na prática do dia a dia. Não deixa de ser curioso que, no século XXI, ser ateu volte a ter um conteúdo revolucionário. Mas, depois que Sarah Sheeva, uma das filhas de Pepeu Gomes e Baby do Brasil, passou a pastorear mulheres virgens – ou com vontade de voltar a ser – em busca de príncipes encantados, na “Igreja Celular Internacional”, nada mais me surpreende.

Se Deus existe, que nos livre de sermos obrigados a acreditar nele.

(Eliane Brum escreve às segundas-feiras)