Escrever algo polêmico em 140 caracteres é pedir pra entrar em confusão não é? Mas eu não tenho mesmo muito freio e acabei entrando numa bola de neve que me fez inclusive ser citada em um blog de uma pessoa que eu não conheço, mas que fez a gentileza de me avisar sobre tal citação.
Vamos aos fatos, agora explicados em mais de 140 caracteres, mas ainda de maneira bem resumida e sob MEU olhar (não é egocentrismo, ou é, já que esse blog é meu e só quem escreve nele sou eu).
O Roger (do Ultraje a Rigor) postou no twitter que toda essa excitação pela nova presidente mulher, como se ser mulher fosse garantia de algum tipo de qualidade superior, é coisa de gente não culta. Vamos dividir aqui em duas partes:
1. Eu concordo. Ser mulher, negro, operário, ou qualquer outro rótulo de "excluídos" que queiram usar, acreditando que tal rótulo garanta a idoneidade da pessoa, é ignorância. E ignorância no sentido de ausência de conhecimento mesmo.
2. Eu não concordo com o uso do termo "culto". Prefiro erudito. Vamos aos motivos:
Em seu livro Convite à Filosofia, Marilena Chauí fala sobre isso. Resumidamente, é o seguinte: Para o homem, ao nascer, se tornar humano, ele precisa do outro para garantir a ele a posse da linguagem, dos atos, dos valores, etc, para garantir sua existência e suas características. Se um filhote de cachorro perde e mãe e é criado por um gato, ele continuará latindo, e não irá miar. Já o homem não. Existem casos registrados, como do menino encontrado na cidade de Aveyron, na França, no final do século XVIII, e Amala e Kamala, na década de 1920, mostra que pessoas que foram abandonadas e não tiveram contato com humanos (foram “criadas” por animais) não desenvolveram a fala, não andaram eretas, não sorriam ou choravam nem tinham valores morais. Agiam como os animais.
Ou seja, para se tornar de fato humano, o homem precisa se “humanizar”. E isso só é possível no meio de outras pessoas, portanto, no meio cultural. Sendo assim, todas as pessoas devem ser consideradas cultas já que elas são produtos de seu meio. Só falamos como falamos, comemos como comemos, julgamos como julgamos por estarmos no meio de certo tipo de cultura. Assim, existem culturas diferentes, mas não ausência de cultura.
E aquilo a que comumente chamados de ser culto, como sinônimo de ser instruído? No dizer de Chauí, o termo correto a ser utilizado deveria ser “erudito”. Assim, a cultura de um sertanejo é diferente de um comerciante, a cultura de um povo é diferente da de outro povo ou mesmo diferente de sua própria cultura, em épocas diferentes. Mas todas são igualmente, culturas. Dessa maneira, ainda segundo a autora, não se deveria falar em Cultura, no singular, mas em culturas, no plural. E erudita seria aquela pessoa instruída, “formada”, nos próprios termos do senso comum, que tem conhecimentos aprofundados em diversas áreas.
Um seguidor dele me disse que no Aurélio o termo culto tem como sinônimo o termo instruído. Chauí discorda desse uso. Filosoficamente e Sociologicamente, eu concordo com ela. Mas, obviamente, não quer dizer que essa é a única verdade.
Sempre fui fã do Ultraje, desde os meus 8/9 anos (e lá se vão mais de 28 anos, ou seja, quase o tempo de existência da banda) e gosto particularmente do Roger. Não quis fazer “trollagem”, termo que acabei de aprender durante tal discussão, polemizando com ele e com os seus vários “defensores”, mas também não podia deixar de tentar esclarecer isso. Felizmente o Roger tratou toda a questão com muita gentileza, um certo quê de ironia em alguns momentos mas completamente educado, coisa difícil quando se trata de desacordos ideológicos que ocorrem no twitter.
Outra coisa, ao tentar me explicar, usei minha titulação. Não fiz isso por esnobismo, mas para tentar mostrar que sobre aquele assunto, eu tinha certa erudição. Se estamos falando de questões filosóficas ( ou sociológicas) eu me dou ao direito de abrir o debate. Se forem falar sobre o superávit primário eu me recolheria ao meu estado de mera expectadora, com parcos conhecimentos, e tentaria aprender. Ou sobre moda, ou sobre zen budismo, ou sobre qualquer outro tema que eu não domine. Minha dissertação de mestrado falava exatamente sobre a crítica que Platão fazia a esse tipo de pessoa que quer falar sobre qualquer tipo de assunto como se fosse especialista. Como nas relações da internet nós falamos sobre diversos assuntos com quem mal conhecemos, acho natural dizer que eu estava dando opinião sobre o assunto com base em algo academicamente fundado. Não quer dizer que tenho a verdade, ao contrário, enquanto amante da sabedoria, acepção grega da palavra filosofia, pretendo aprender sempre e nunca achar que tenho as respostas. Mas nunca vou parar de buscá-las.
Apesar de tudo, adorei o debate, as críticas e as possibilidades de conversas interessantes que surgiram. Que venham outras tantas polêmicas.
2 comentários:
No Aurélio o termo culto tem como uma de suas definições o termo instruído, não como sinônimo. A função do Aurélio é apenas documentar as formas como as pessoas usam as palavras. E um uso de "culto", entre os vários usos desta palavra, é como "instruído". Só esclarecendo (de novo)... ^_^
Durante este debate, eu pensei no termo "inculto". Em termos de uso popular, ele é muito mais usado para se referir a uma pessoa menos instruída. De fato, se paramos para pensar, de acordo com toda esta tua argumentação, praticamente não temos pessoas "incultas" na nossa sociedade, no sentido de pessoa sem cultura. Só mesmo os "moglis" da vida real seriam assim.
Eu também sou a favor de usarmos as palavras mais adequadas para cada coisa; mas nosso desejo não torna errado usos já consagrados pela população (em alguns casos, infelizmente). Esta discussão vem bem a calhar com um termo que tenho tentado compreender. Vou postar em outro comentário para não misturar os assuntos. ;)
Este debate me faz botar em pauta um outro termo, que eu acredito não ser usado da melhor forma. Em português temos o termo bom senso, que geralmente se faz correspondência ao termo em inglês "common sense", que traduzindo literalmente seria senso comum. Senso comum significa a percepção comum, ou seja, a percepção que a maioria das pessoas tem. É a "opinião da maioria", por assim dizer. No entanto, no meu ver, o "bom senso" deveria ser uma "percepção boa", ou seja, a mais lógica ou correta, e não a mais "popular". Posso imaginar que na maioria dos casos estas duas coisas chegam no mesmo resultado. No entanto, eventualmente, a opinião da maioria das pessoas não é a melhor alternativa. Por exemplo, a população querendo linchar o pai que supostamente jogou a filhinha pela janela do sexto andar. A maioria pode querer morte, mas o mais correto é punir de acordo com as leis. Neste caso fica claro o que eu acredito que deveria ser a diferença entre "senso comum" (matar o desgraçado por apedrejamento heheh ) e "bom senso" (prender e julgar normalmente). Nas minhas conversas com as pessoas ao meu redor, sou levado a crer que as pessoas realmente utilizam o termo "bom senso" no sentido de "senso comum", o que pode ser mais um caso de não usar o termo da forma mais adequada.
Eu gostaria muito de saber a tua opinião sobre isto. Não tenho nenhum título em filosofia ou letras. Acho que sou o objeto da tua tese de mestrado, querendo discutir coisas das quais não sou especialista. heheheh Mas, no meu ver, na pior das hipóteses eu vou aprender mais um pouco. ^_^
Beijo me tuíta! ;D
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