Oi Mauricio! O seu nome é o mesmo de um grande amigo meu, espero ser um bom sinal!
Não precisa ser formado em filosofia para filosofar, você é prova disso! Acabou de fazer uma excelente colocação sobre um mau uso de palavras que, por estarem tão presentes em nosso meio, nem paramos para pensar sobre seus significados.
Meus estudos no mestrado foram sobre ética e política na filosofia antiga, especialmente em Platão. Minha hipótese era sobre a crítica que Platão fazia à democracia e aos sofistas. Resumidamente, ele dizia que, nas assembléias, enquanto para tratar de assuntos específicos se chamavam os especialistas, quando se tratava de falar sobre política, qualquer um podia dar a sua opinião e fazer valer tal opinião não se baseando na “verdade” da coisa, mas na retórica capaz de convencer a maioria, mesmo que aquilo não fosse o melhor para a cidade.
Explico: Se a cidade pretende construir um navio, a pessoa que vai opinar sobre isso é o construtor naval, se se pretende construir pontes, o arquiteto. Se um arquiteto quiser dar opinião sobre qual a melhor forma de se construir navios, ele será rechaçado, da mesma forma que um engenheiro naval não opina sobre pontes. Oras, diria Platão, se para assuntos como esses se procura sempre o embasamento de um especialista, por que no assunto mais importante, que é a política (já que dita os rumos de toda a cidade) qualquer pessoa pode tomar para si a palavra e convencer uma platéia incauta? Basicamente é uma crítica explícita à democracia. Eu colocaria que é mais ou menos isso que vivemos hoje. Não quer dizer que sou contra a democracia, ainda acho que, dentro do que teríamos como opção, é a menos ruim. O problema é que vivemos em uma pseudodemocracia onde uma pequena parcela da comunidade tem o domínio dos meios de comunicação e acaba dominando ideologicamente a maioria que vota sem conhecer de fato seus direitos e deveres, e quem está no poder pretende que esse cenário se mantenha para que eles possam se manter no poder (um resumo muito do parcial sobre o que eu estudei a respeito, só pra ilustrar minimamente).
Dessa maneira, apesar de cada cidadão brasileiro ter o direito de um, e apenas um, voto, e aparentemente possuir igualdade, na verdade o que acontece está muito longe de ser uma verdadeira democracia, já que esta pressupõe conhecimento, a “cultura” de que tanto falamos hoje. Se não for assim, a pessoa é facilmente manipulável.
Fiz toda essa preleção para falar sobre a questão do senso comum. Acho que você foi bastante feliz no que falou, e concordo plenamente. Nos acostumamos a achar que a opinião da maioria é a melhor, passamos a aceitá-la, nos deixamos levar por ela. O caso que você citou é muito claro e eu usei-o bastante em minhas aulas. Por mais que a pessoa tenha cometido um crime como aquele, nós, enquanto indivíduos, não temos o direito de fazer nada contra ele. Temos leis que devem ser seguidas se não quisermos voltar à barbárie. Não quer dizer que toda lei é boa e não pode ser melhorada, mas neste caso devemos mudar a lei (enquanto grupo, não individualmente), e não transgredi-la.
Sócrates fala, pela boca do Platão, sobre isso no seu livro Críton, onde a personagem homônima, seu amigo de longa data, tenta convencê-lo a fugir para se livrar da pena de morte que Sócrates recebera. Em belíssimas passagens Sócrates chama para um diálogo As leis, como se encarnadas, e trava com elas um debate sobre sua validade. Resumidamente, ele diz que a Lei em si não pode ser questionada, pois se assim fosse nenhuma lei seria reconhecida e assim não poderíamos viver em grupo. O que se pode fazer é questionar o bom ou mau uso destas, e, se for o caso, lutar em grupo para mudá-las. Isso me parece que foge um pouco às pessoas mais afoitas e menos atentas...Elas acabam agindo sem pensar, impulsionadas normalmente por um clamor popular que parece justificar a desordem...não quero dizer que devamos todos seguir cegamente qualquer regra, ao contrário, nesse sentido serei sempre subversiva, irei me contrapor ao status quo até que ele me mostre ser válido, mas não se pode fazer isso de qualquer maneira, tem que haver debate profundo para verificar a validade de qualquer ação.
Acredito que esta é uma das missões da filosofia, fazer com que as pessoas compreendam que não é porque a maioria apóia tal ou qual opinião que ela passa a ser verdadeira e válida. Há que se duvidar sempre. Neste sentido, melhor que o senso comum, seria o bom senso. Infelizmente, em um país como o nosso, ainda vence a maioria, que não tem acesso a uma educação séria e age por impulsos dogmáticos. O que podemos fazer, e o que eu tento fazer enquanto professora, é tentar ajudar cada vez mais pessoas a pensar por si e não acatar prontamente qualquer tipo de clamor popular. Não é fácil, mas é necessário.
6 comentários:
Bueno, Erika, fico aliviado de ver que tu concorda comigo. :-) E é curioso tu associar o meu questionamento à democracia. Fiz estas reflexões mais por divergências em conversas (ou seja, por uma necessidade prática que me surgiu) do que por filosofar no abstrato. Mas coincidentemente, eu tenho elaborado um texto no meu blog justamente sobre como atingir uma democracia melhor. Só que ela não considera estes pontos que tu falou. Realmente a opinião da mídia e de pessoas influentes complicam ainda mais este assunto já complexo da democracia.
Sobre a crítica de Platão, pelo que entendi da tua explicação, não tenho como concordar totalmente com ele. O fato de "qualquer pessoa (...) convencer uma platéia incauta" é um problema; no entanto, não acho que devam existir "especialistas em democracia" para tomar a palavra e ter a opinião considerada acima da dos outros. Muito pelo contrário, acredito que o melhor para a democracia é que cada pessoa defenda o seu lado, e que todo mundo defenda o seu lado. Para mim, na "democracia ideal", teríamos uma democracia direta. E teríamos todos se pronunciando, cada um defendendo o seu lado. Com isto, as decisões invariavelmente beneficiariam a maioria. Afinal, este acabaria sendo o lado mais defendido. (cont...)
(continuação) Tu percebe que eu não vejo problema que "vença a maioria"; desde que a maioria realmente esteja defendendo o seu interesse, e não o interesse que acreditam ser o melhor "para a nação", nem muito menos o interesse pregado pela emissora de TV. Tendo um senso crítico elaborado, penso que eventualmente defender o próprio interesse seja sinônimo de defender uma vida melhor para os outros. Por exemplo, pensemos que investindo em educação e emprego, diminui-se a criminalidade; se meu interesse é diminuir a criminalidade, para defender o meu interesse eu opto por uma melhoria na vida de outras pessoas, desejando que elas tenham melhor educação e mais oportunidade de emprego.
Claro, este ainda não é o mundo ideal, na verdade. Mas é o mais próximo do ideal que se poderia chegar com a democracia (na minha opinião), sem considerar sistemas mais complexos. Nem adiantaria discutir um sistema melhor (porém mais complexo) sem termos no mínimo isto.
Eu não entendi tudo o que tu falou, mas entendi a maioria. Sobre o questionamento das leis, acho que talvez tu se interesse neste TED Talk (ainda não tem legendas em nenhuma língua; se tu precisa, vai ter q esperar uns dias...:( ). Aliás, adoro os TED Talks, e recomendo altamente. São muito nutritivos, mentalmente falando. :)
Oi!
Como eu disse, não concordo inteiramente com Platão, tanto que a crítica que se faz a ele é chamá-lo de aristocrata e elitista...só temos que dividir aqui talvez em duas partes, o que seria o mundo ideal e qual é o nosso mundo real...no ideal, cada pessoa teria a possibilidade de ter seu próprio pensamento, dialeticamente discutido, e poderia defende-los...o problema é que no nosso mundo real as pessoas não querem ou não podem pensar e acabam seguindo como cordeirinhos aquilo que alguém lhes impõe...é a dominação ideológica que define nossos rumos, já que a maioria não tem acesso aos conhecimentos necessários para definir nossos rumos e acabam fazendo aquilo que não é bom para o grupo, como votar e manter no poder pessoas que aumentam o próprio salário em mais de 60%, e de forma tão "cara de pau" que nem se importam em tentar justificar minimamente...no fundo, nossos legisladores sabem que o povo acaba aceitando tudo sem questionar, o que é uma dádiva para eles...enfim, essa discussão pode ir muito longe, muito mesmo, e eu não tenho uma resposta pronta, estou pensando a respsito há algum tempo mas ainda tenho muito o que aprender...esse tipo de conversa sempre é muito produtiva! valeu!
Nossa...bom, eu sou o Maurício que minha grande amiga se referiu...
Tbm não sou filósofo e, pra dizer verdade, sou muito pragmático. Mas se eu entendi todo este contexto, não tenho a menor dúvida que o senso comum em alguns casos (ou na maioria deles) no Brasil podem estar errados. Ao ponto de um jornalista, no caso o Ricardo Boechat, que eu acho mto bom por sinal, defender em seu programa ao vivo na rádio a pena de morte para aquele pai que teve filhos com as filhas e netas (no Maranhão, smj), ou dizer que ele próprio rasgou a poltrona de um avião da TAM por vingança ao atraso no voo. Não tenho dúvidas que é um senso comum. Eu mesmo já quis matar alguns funcionários de companhias aéreas! Mas foge totalmente ao bom senso, daquilo que é considerado normal para o homem médio (como dizemos em "juridiquês"). Também não tenho certeza, ou opinião, se no Brasil vence mais o senso comum ao bom senso...Acho que o ponto de vista deve ser encarado de forma mais regionalizada, dadas as enormes diferenças em um país grande como o nosso (por favor, não encarem este meu último comentário como regionalismo. Isto eu não sou. Muito pelo contrário!). É isso!
Bjos no seu coração, minha amiga! Sampa miss you! Mau
Meu querido Mau, a confusão é grande né! infelizmente, até pela forma como as pessoas se comportam no país todo, minha opinião é que isso ocorre em todos os recantos desse nosso país enorme, de forma diferente, claro, mas sempre com o senso comum vencendo o bom senso...Por exemplo, eu sempre vi o preconceito contra os nordestinos em São Paulo, vejo até hoje, da mesma forma que vi bairrismo no nordeste...não quer dizer que todos são assim, felizmente não, mas a maioria acaba criando estes estereótipos...cabe a nós tentar destruí-los, nem que seja aos pouquinhos...saudades meu querido, beijos!
Procurando sobre Filosofia Abrupta, na Internet, ou seja, "de repente filosofia", pois pretendia criar um blog com este nome, e, de fato já o criei... Então... Encontrei seu blog, http://erikabataglia.blogspot.com/ onde você fala sobre a Bruta flor do querer... E, no qual você diz que é professora e gosta de conhecer pessoas interessantes...
Pensei de mim para comigo mesmo: se ela diz isto, é porque ela é uma pessoa interessante...
Daí, já me tornei seu seguidor...
Confira.
Desejo-lhe muito sucesso.
Luz, Força e Amor.
RomeroMarcius
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