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16 abril, 2009

Para que Filosofia? Uma pequena reflexão acerca

da pergunta que nos cerca.


Erika Bataglia da Costa

Mestranda em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará – UFC

Bolsista Capes-Reuni

“Se se deve filosofar, deve-se filosofar, e se não se deve filosofar, deve-se igualmente filosofar; em qualquer caso, portanto, deve-se filosofar; se, de fato, a filosofia existe, somos obrigados de qualquer modo a filosofar, dado, justamente, que ela existe; se, ao invés, não existe, também nesse caso somos obrigados a pesquisar como a filosofia não existe; mas pesquisando, filosofamos, porque a pesquisa é a causa da filosofia”

(Aristóteles, Protrético, 2)

Se um filho resolve falar para os seus pais que decidiu fazer vestibular para cursar Medicina, Direito ou Engenharia, não ouvirá deles a pergunta sobre o porquê da escolha. Se, no entanto, ele disser que decidiu fazer Filosofia, a primeira e estridente reação será: Filosofia? Por quê? O que é isso? Para que serve?

Ao ouvir que alguém faz faculdade de Matemática ou Física, História ou Geografia, a pergunta terá um teor um pouco diferente. Ela será em função do estranhamento diante da visão de alguém que quer ser professor, pois no mundo em que vivemos qualquer destas disciplinas referem-se essencialmente ao ensino, e, nós sabemos, ser professor no nosso país não faz com que a pessoa seja “rica”, “famosa” ou “poderosa”.

Em ambos os casos a questão que se coloca é a mesma. Só é aceitável aquele que procura profissões que possam garantir dinheiro ou poder, ou, melhor ainda, os dois. Procura-se aquilo que seja útil, que possa transformar em riqueza material qualquer coisa, tornando-as mercadorias, inclusive as pessoas.

Antes de falar sobre para que “serve” a Filosofia, precisamos nos indagar sobre o que é esse “servir” e qual a sua origem.

Em nossa vida cotidiana possuímos crenças que nos são passadas culturalmente através das gerações. Essas crenças são fatos, ideias e acontecimentos que aceitamos como se fossem óbvios e sequer questionamos, como se fossem verdades absolutas. A esse conhecimento prático, normalmente irrefletido, chamamos de senso comum.

É o senso comum que nos imputa as regras a serem seguidas, as normas a serem aceitas, a forma que devemos viver e, principalmente, para que “servem” as coisas. Segundo Chauí:

Achamos óbvio que todos os seres humanos seguem regras e normas de conduta, possuem valores morais, religiosos, políticos, artísticos, vivem na companhia de seus semelhantes e procuram distanciar-se dos diferentes dos quais discordam e com os quais entram em conflito. Isso significa que acreditamos que somos seres sociais, morais e racionais, pois regras, normas, valores, finalidades só podem ser estabelecidos por seres conscientes e dotados de raciocínio. (CHAUÍ, 15).

O problema é que, apesar de sermos seres racionais, normalmente não “raciocinamos” sobre as coisas do mundo, e simplesmente aceitamos os fatos como eles nos aparecem. E, pior, sequer percebemos que isto acontece, o que pode nos gerar terríveis consequências.

Ao longo da história da humanidade diversas crenças, antes aceitas incontestavelmente, começaram a ser questionadas e, em muitos casos, foram abandonadas. Aprendemos, em certos casos, que tomar por certos comportamentos, atitudes e ideias sem ao menos questioná-las pode ser perigoso.

Foi o caso, por exemplo, do nazismo. A Alemanha nazista, através de uma maciça campanha de propaganda, conseguiu convencer uma nação inteira da superioridade de sua raça e que as demais deveriam ser exterminadas. Um grupo de pessoas, inconformado com tal absurdo, questionou tal ação. Muitos morreram em função disso, mas os demais conseguiram mobilizar vários países e, tempos depois, ficou comprovado cientificamente, que não há diferença entre raças, aliás, o próprio termo raça foi abolido. Outro episódio que demonstra o quanto um determinado conhecimento, dado como certo e verdadeiro, pode passar séculos convencendo as pessoas foi a Inquisição da Igreja Católica. Durante boa parte da era medieval, os dogmas da Igreja foram impostos a todas as pessoas dos reinos da Europa. Porém, algumas pessoas passaram a questionar tais dogmas e, com medo de uma crise de fé, a Santa Inquisição julgou e condenou, muitas vezes à morte, estas pessoas que questionavam os seus dogmas. Podemos citar ainda, em nossa história recente, a revolução inicial de um grupo de pessoas na década de 1960 que, ganhando força, acabou derrotando a ditadura brasileira.

Aqueles alemães que não aceitaram o extermínio como natural, os “infiéis” que questionaram a forma com que a Igreja lucrava com os indultos cobrados dos fiéis e os jovens que foram às ruas lutar pela democracia no Brasil tinham algo em comum. Eles não aceitaram como óbvias as “verdades” impostas por aqueles que estavam no poder, eles questionaram, criticaram, combateram. Em suma, de certa maneira, podemos dizer que eles filosofaram.

Será então possível que todas as pessoas possam filosofar? Gramsci, filósofo italiano, costumava dizer:

Todos somos filósofos, no entanto, temos que distinguir o «filósofo» que todos somos, que ocasionalmente filosofa espontaneamente, do filósofo que sabe do ofício, o filósofo intencional, que concebe uma visão do mundo e da vida, que incessantemente está no encalce da verdade e na busca de fundamentos para as suas ideias, princípios e concepções.(apud CHAUÍ, 2008, pg. 14)

“Filosofar”, antes de tudo, é ter uma atitude diferente diante das “verdades postas”, daquilo que é aceito, do senso comum. Quando algo que era objeto de crença começa a nos aparecer como algo contraditório ou problemático, esse algo passa a ser motivo de questionamentos e indagações. A partir daí, mudamos da atitude a qual estamos acostumados e passamos à atitude filosófica.

Quem não se contenta com as crenças ou opiniões preestabelecidas, quem percebe contradições e incompatibilidades entre elas, quem procura compreender o que elas são e por que são problemáticas está exprimindo um desejo, o desejo de saber. E é exatamente isso o que, na origem, a palavra filosofia significa, pois, em grego, philosophía quer dizer “amor à sabedoria”. (CHAUÌ, 2008. pg.16).

Para Platão, a filosofia nasce com a admiração, e Aristóteles dizia que ela nascia com o espanto. Ambos perceberam que somente diante do desconhecido passamos a ter uma atitude que pode nos levar ao verdadeiro conhecimento. O grande problema é que nós achamos que já conhecemos tudo, que já sabemos o que são as coisas, e simplesmente as aceitamos como certas. Como vimos anteriormente, quase sempre nos enganamos quando temos essa postura. Por isso, é importante nunca deixar de ter uma atitude crítica diante não só do desconhecido, mas especialmente do “conhecido”.

Voltando à questão do “servir”, ou seja, da utilidade da filosofia, podemos perceber que aquilo que o senso comum, histórica e culturalmente, considerada útil, é aquilo que possui uma finalidade prática, clara e evidente. Como exemplo podemos citar as ciências. Ninguém questiona a utilidade das ciências, pois entende que o seu produto, a técnica, “serve”, ou seja, tem uma utilidade visível. O telescópio, o cronômetro, a luz elétrica, o avião, o computador, todos são instrumentos de uso indiscutível que surgiram a partir dos estudos científicos.

O problema que a maioria das pessoas não vê é que, se a ciência pretende ser um conhecimento verdadeiro, tem que se basear em instrumentos e formas corretas de agir. Essa pretensão das ciências pressupõe que elas admitem a existência da verdade, do correto, do pensamento racional, da melhor aplicação do conhecimento, e todos estes objetivos e propósitos não são científicos, mas filosóficos! Os cientistas partem destas questões como já resolvidas, mas é a filosofia quem as propõe e investiga!

Podemos dizer então que, da forma como o senso comum pensa a utilidade das coisas, a filosofia não teria uma determinada utilidade. Mas, se pensarmos melhor, perceberemos que em vários aspectos a utilidade da filosofia estaria ligada às mais importantes atitudes humanas. Enumeraremos algumas:

a. Filosofia como crítica à ideologia;

b. Filosofia para pensar bem (lógica);

c. Filosofia para agir bem (ética);

d. Filosofia para formar a consciência;

e. Filosofia para o trânsito da consciência ingênua à consciência problematizadora;

f. Filosofia para nos conduzir à felicidade;

a. Filosofia como crítica à ideologia

Ideologia é um termo usado comumente pelo senso comum com o sentido de um conjunto de ideias, doutrinas e visões de mundo de um determinado grupo, normalmente influenciada por quem detém o poder. Para Karl Marx, filósofo alemão, a ideologia é o modo pelo qual a classe dominante aliena a classe operária para dela tirar proveito.O processo de alienação faz com haja a transferência do domínio de algo para outrem. Dessa maneira, a ideologia submete o indivíduo à heteronomia (Do grego heteros (diversos) + Nomos (regras), sem que este o saiba. Desta forma, o sujeito transfere para o outro a responsabilidade pela criação das regras e dessa maneira passa a aceita-las sem questioná-las. O indivíduo, desta maneira, passa por um processo de “perda de si mesmo”, e todas as suas relações no mundo e com o mundo são moduladas em função da reprodução dos poderes hegemônicos.

A filosofia, nesse sentido, pode ser instrumento de emancipação do indivíduo, isto é, da “recuperação de si”. Para tanto, ela denuncia a dominação disfarçada de pseudo-liberdade que a ideologia nos impõe. Neste sentido, a filosofia é necessária ao restabelecimento da autonomia do indivíduo na medida em que, invocando a razão crítica presente nele mesmo, submete o próprio conteúdo de sua consciência ao exame da validade de seus fundamentos sociais, políticos, etc. Assim, esta autopurgação sistemática (conhece-te a ti mesmo), seguindo regras claras em sua elaboração, aplana o terreno existencial sobre o qual brotará a liberdade genuína.

b. Filosofia para pensar bem (Lógica)

A palavra lógica originou-se do grego logos, que significa palavra, ideia, discurso. Por outro lado, o discurso, a fala, a linguagem, é aquilo que manifesta o pensamento. Este, por sua vez, é fundamental para o conhecimento da realidade. Pode-se mesmo dizer, que o conhecimento é a realidade organizada em e no pensamento. Quando o pensamento esta de acordo com a realidade o sujeito encontra-se na verdade. Para tanto, o pensamento atribui a si mesmo regras e princípios rigorosos (princípio de identidade, não-contradição, terceiro excluído, causalidade) que o permitem discorrer ordenadamente sobre os dados oriundos da realidade externa e interna. É necessária a obediência a estas regras para que a verdade sobre tais dados seja alcançada. A lógica é, precisamente, a parte da Filosofia que irá garantir as regras de retidão do pensar. No entanto, ela não se constitui como fim em si mesma, mas apenas como meio para se garantir que nosso pensamento proceda corretamente a fim de chegar a conhecimentos verdadeiros. Neste sentido, a Filosofia, através da lógica, torna possível o ordenamento do pensar garantindo a posse pelo espírito de um valor fundamental à civilização, refiro-me à verdade.

c. Filosofia para agir bem (Ética);

A palavra ética vem do grego ethos e significa costumes, modo de ser e também caráter. É uma parte da Filosofia que pretende investigar e estabelecer os fundamentos e a validade das normas morais e dos juízos de valor ou de apreciação sobre as ações humanas qualificadas de boas ou más. Podemos dizer que o seu objetivo maior é fazer com que as pessoas vivam em comunidade da melhor maneira possível.

A ética é pautada por princípios, e é a reflexão filosófica que fundamenta as normas e os princípios em questão. Assim, caberá à filosofia justificar racionalmente a submissão da liberdade ao bem. Neste sentido, a filosofia é necessária à harmonização das liberdades entre si e do comércio destas com o mundo. Muito embora o direito e a moralidade também promovam a harmonia, não o fazem, no entanto, em uma dimensão fundacional, tal qual a filosofia, e, além disso, podem estar a serviço dos interesses de uma minoria. Ademais, é a filosofia quem denuncia quando o direito e a moralidade se encontram a serviço não da liberdade de todos, mas de poucos.

Platão, a este respeito, escreveu que devemos sempre agir de forma a buscar o bem e o justo, e em um de seus diálogos nos diz que Uma vida sem este exame não é digna de ser vivida (PLATÃO, 1997. pg.38a).

Como devemos agir, quais regras devem ser seguidas e quais devem ser descartadas, como interagir com o outro respeitando sua liberdade e tendo a minha liberdade respeitada, como colaborar para a convivência harmônica sem ser submisso às ideologias vigentes, como respeitar o outro e ser por ele respeitado, são objetos da reflexão ética fundamentais para a vida em comum.

d. Formar a consciência (definição de consciência)

A filosofia fornece estruturalmente os elementos necessários á formação da consciência (princípios do conhecimento e da ação). Desse modo, a cultura filosófica torna a consciência imune aos estupefacientes culturais que a sociedade de massas e a indústria cultural ofertam incessantemente. Neste sentido, a filosofia é necessária para estabelecer na consciência critérios consistentes de aceitação ou recusa de tudo o que nos rodeia tornando-nos senhores da elaboração de nossas preferências. Formar uma consciência emancipada consiste, pois, em nutri-la filosoficamente através da desconfiança refletida em relação ao que se nos apresenta as diversas instituições sociais.

e. Trânsito da consciência ingênua à problematizadora

A filosofia institui a negatividade como padrão de interpelação do mundo, isto é, recusa ou nega o assentimento imediato em relação a tudo o que é dado, percebido, imposto e leviana e inconsistentemente justificado. Neste sentido, a filosofia dissolve a ingenuidade, que é sempre tributária da aceitação imediata do mundo, substituindo-a pela problematização “inquisitora” que pretende vasculhar o que se oculta sob o disfarce da imediatez. Finalmente, a problematização desdobra novas perspectivas de resolução e transformação do existente e, por conta disso, a filosofia é necessária ao próprio desenvolvimento cultural e ao refinamento civilizatório.

f. Filosofia para nos conduzir à felicidade

Talvez o propósito mais importante da Filosofia seja a condução à felicidade. André-Conte Sponville, filósofo francês contemporâneo, escreveu que o principal objetivo da filosofia seria a condução de cada um à felicidade, mas não a felicidade total e irrestrita, uma alegria contínua e soberana, ou mesmo a ausência total de sofrimento e angústia, pois certamente isso não existe. A felicidade, se a entendemos como uma alegria completa, é apenas um sonho, que nos separa do contentamento verdadeiro. Em busca da felicidade absoluta, nós nos proibimos de viver as felicidades relativas e nos tornamos infelizes. Se, ao contrário, você entender como felicidade o fato de não ser infeliz ou simplesmente de poder desfrutar algumas alegrias, a felicidade não é impossível. E você será feliz somente por não ser triste. À exceção, claro, nos momentos mais difíceis da vida.

O autor nos diz que a felicidade interessa a todo mundo, e todos a buscam, inclusive os suicidas. Para ele, a sabedoria que advém da filosofia é necessária por dois motivos: porque somos infelizes e porque somos mortais. Quando temos tudo para ser feliz e não somos, é porque nos falta sabedoria. E sabedoria é saber viver, aprender a viver.

Para a maioria das pessoas, ser feliz é ter aquilo que se deseja. Mas no momento que temos o que desejamos, o desejo acaba, pois aquilo que passamos a possuir já não nos falta mais. Então procuramos por outros objetos de desejo. São as chamadas armadilhas da esperança, porque quando esperamos a felicidade e ela não é satisfeita, sofremos e nos frustramos. Quando é satisfeita, nos entediamos e nos frustramos também. Para escapar deste ciclo normalmente as pessoas seguem três estratégias: se divertir para esquecer, alimentar novas esperanças (fuga para frente) e depositar esperanças em outra vida (salto religioso).

A esperança é um desejo que não depende de nós, enquanto a vontade é um desejo que depende de nós. O autor propõe uma felicidade desesperadamente, mas não o desespero no sentido comum, mas no sentido de não esperar, não ter esperança. Não significa que as pessoas devam amputar suas esperanças, mas que aprendam a pensar mais, querer o que vale a pena e amar melhor.

Filosofar é pensar sua vida e viver seu pensamento. Em que medida isso pode nos aproximar da felicidade? Ficando mais perto da verdade, nós nos libertamos de várias ilusões e esperanças tolas. Isso nos ajuda a amar a vida mais do que amar a felicidade, a verdade mais do que a fantasia, o amor mais do que a fé ou a esperança. É isso que chamamos de sabedoria. (SPONVILLE, 2002, pg.16).

A felicidade não é absoluta, mas um processo. E, desta maneira, precisamos de sabedoria para entender esse processo. A sabedoria é a felicidade dentro da verdade. É o máximo de felicidade associado ao máximo de lucidez. Essa é a meta da filosofia. Nesse caminho, há muitas ilusões a perder e algumas verdades desagradáveis a confrontar. É por isso que a filosofia passa inevitavelmente pela angústia, pela dúvida, pela desilusão. Continua sendo apenas um caminho. O filósofo prefere a alegria à tristeza, como todo mundo. Mas ele coloca a verdade num patamar mais alto que todo o resto. Isso não quer dizer que seu objetivo seja a infelicidade. É preciso sempre ter coragem para enfrentar a melancolia ou a tristeza quando surgem. É o único caminho.

BIBLIOGRAFIA

CHAUÍ,Marilena.Convite à Filosofia.São Paulo: Ática, 2008.

PLATÃO, Apologia de Sócrates. Introdução, versão do grego e notas de Manuel de Oliveira Pulquério. Brasília,DF. UNB, 1997

_______, A República. Tradução, textos complementares e notas de Edson Bini. Bauru, SP. Edipro, 2006.

SPONVILLE, André-Conte. Apresentação da filosofia. São Paulo. Martins Fontes,2002.

_______. A Sabedoria dos Modernos. São Paulo, Martins Fontes,2000.

2 comentários:

Amanda disse...

Adoreu teu texto! Pena não ter podido ir vê-la apresentando..

Aletheia disse...

foi legal, um publico muito interessado... :)