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30 julho, 2011

sobre as sensações em "A Árvore da Vida"



"A menos que você ame, a vida passará como um sopro"

Falta de tempo é fogo. Pensei em escrever esse texto imediatamente após assistir ao filme, mas só estou fazendo isso 15 dias depois...muito se perdeu, mas mesmo assim vou deixar minhas impressões mais fortes, sem organizar um texto propriamente dito.

Eu vivi uma viagem sensorial sem precedentes. Há anos não via um filme que me tocasse tanto. Árvore da Vida, do Malick, é um filme diferente. Para saber detalhes da produção corra pro melhor blog de cinema do Brasil, do meu querido Ailton Monteiro:http://cinediario.blogspot.com/, amigo querido que aliás me fez companhia durante o filme e o debate posterior.

O filme, em minha opinião, trata da questão da vida. Simples assim. Do microcosmo ao macrocosmo numa relação intensa que demonstra que não existe um sem o outro. Aliás, muita coisa no filme é assim.

Há quem diga que é um filme sobre Deus, e provavelmente é, mas eu vi além disso. Aliás, no começo do filme a bela atriz que faz o papel da mãe nos diz, com sua voz quase sussurrada que existem dois caminhos na vida: O da natureza e o da graça. "Você precisa escolher qual dos dois seguir"...não acredito que seja possível escolher já que o segundo pressupõe o primeiro, ao menos em vida. O da graça não te cobraria nada, enquanto o da natureza demonstra que nós não temos domínio sobre ela e que apenas devemos aceitar as coisas como elas acontecem. Um certo determinismo que nos impede de ir além de nossa pequenez, de nossa mediocridade ontológica.

Sean Penn está maravilhoso como o filho mais velho que sente desprezo pelo pai autoritário e cruel, mas ao mesmo tempo tenta conseguir sua aprovação durante toda a vida. Um sofre por ser considerado um "loser", o outro sofre do alto de grandes arranha-céus que mostram sua posição econômica elevada contrastando com sua tristeza absoluta. O filho perdido permanece na memória de ambos, e parece o vínculo com a realidade que ambos não querem perder, procurando ver algo de familiar em meio às suas agruras da vida.

O diretor consegue nos dar beleza mesmo em situações clichês. As pequenas coisas da vida, em sua simplicidade, como o pê do bebê entre as mãos do pai, as bolhas de sabão, as brincadeiras no jardim, o pular na cama, o banho coletivo dos meninos na banheira cheia de espuma, todas imagens já tão óbvias mas que saltam com uma força incrível e arrebatadora pelas mãos do Malick.

Aliás, arrebatadora é também a trilha sonora, fundamentalmente composta por óperas que vão crescendo ao longo das cenas, chegando sempre no auge e nos levando a ficar com os ombros tensionados até o final, com aquele relaxamento comum em momentos de alívio...estética para os olhos e para os ouvidos...

Mas o que mais me tocou durante todo o filme foi a mãe. Sua beleza plácida, sua voz sussurrada como se dentro de nós estivesse, sua calma para aguentar as grosserias do marido, mas o pulso firme para criar os filhos em um caminho que ela considera correto nos fazem ver uma mulher plena, doce em certos momentos, forte em outros, e absolutamente tomada de uma dor impronunciável com a perda do filho. Aliás, o filme começa já com uma das mais belas cenas, das mais tristes, que é o olhar da mãe ao receber o comunicado da morte do filho que para nós, expectadores, ainda parece ser uma criança, mas que, num salto do filme, já tem 19 anos (e provavelmente morreu em combate no Vietnã). Não me lembro dela verbalizando sua dor, só me lembro de seu belo rosto contorcido mas que tenta se manter impávido pelo bem da família que continua ali, com seus medos e sofrimentos, mas que precisa seguir em frente. Poucas vezes vi uma sequência tão bela e apavorante ao mesmo tempo. Bela pela capacidade do diretor e dos atores, angustiante pela presença da perda o tempo todo na tela...

A figura da mãe é central no filme. Sua presença é de uma sutileza marcante, e não é contraditório isso, mas na verdade mostra o quanto ela é presente mesmo quando não está em nossa visão. Sua dor dilacerante e sua capacidade de manter-se firme diante de tal dor nos mostra uma força na delicadeza que é fundamental para fazer voltar a aparente organização dentro do caos, como as nuvens escuras antes das chuvas torrenciais nos verões, ou o tremer da terra diante da intensidade de um vulcão em erupção...como a natureza, que sempre retoma seu rumo não importando o que tenha acontecido.

As imagens do big bang e a formação do planeta também impressionam, são longas e merecem um olhar atento e nenhuma pressa, é um deleite. Mas como sou muito mais atenta aos sentimentos, à humanidade e seus medos e desejos, são as cenas das pessoas que mais me impressionaram no filme. O momento anterior ao reencontro, ápice do filme, é maravilhoso. Cada um se encaminhando para dentro de um destino implacável, como que cansados de uma luta inglória e esperando pacientemente suas recompensas...o caminhar do filho mais velho por um árido caminho, sua passagem por um portal até a chegada à praia (e novamente a água como purificadora dos males) nos leva ao sentimento de perda e reencontro, mas nada que se compare à mãe ao reencontrar o filho perdido (e em idade inferior à sua morte). A delicadeza de seus olhos ao contemplar o filho, suão mãos a tocá-lo e a completa entrega a esse momento a impede inclusive de ver o outro filho, o excluído, o esquecido, ao seu lado, sorrindo para aquele reencontro sem se importar em ser aquele que ninguém vê (não consegui compreender totalmente o papel desse terceiro filho, pode parecer o terceiro excluído da filosofia, pode não ser...). O sorriso volta ao rosto do pai e do filho mais velho que tudo vê como se em suas memórias estivesse, trazendo as imagens de cada um com aquela idade da inocência, quando a família vivia ainda aquela felicidade que não se reconhece no momento em que se vive mas que melancolicamente permanece em nossa vida.

Ao contrário de 2001 - Uma Odisséia no Espaço, do genial Kubrick, Árvore da Vida parece nos mostrar que a ordem sempre retorna, que mesmo perdida momentaneamente, ela continua sendo mais forte, o cosmos no lugar do caos. O reencontro da família sugere uma remissão dos pecados católica demais para o meu gosto, mas compreensível diante do estilo do diretor. Depois de ter que se conformar com o que a vida dá e tira (e o pai não entende porque pessoas boas sofrem), no fundo não é algo valorativo, mas apenas fatos. Não existe o maniqueísmo do bem contra o mal, existe o que é natural, o nascer, a alegria, a felicidade, o sofrer, o morrer...só espero que obras como essa sempre nasçam e que nunca morram na mente de quem tem o prazer de vivenciá-las.

2 comentários:

Ailton Monteiro disse...

Texto belíssimo e poético, Erika! Vou fazer propaganda! :) Bjo!!

Anônimo disse...

Excelente txt, Erika!
Vi o filme hj e tbm o achei lindíssimo. E aqui vão alguns motivos bem subjetivos (como diz o Sr. O’Brien).
Me identifiquei demais com a infância dos personagens, com suas felicidades e aventuras com coisas triviais e, mais ainda, com os sentimentos de temor/mágoa/admiração dos filhos pelos pais.
Vejo q, pra mim, é impressionante como esses sentimentos (de temor, mágoa e admiração pelos meus pais) são determinantes no meu comportamento de adulto hj...
Gostei muito da diferença entre 'graça' e 'natureza'... e deu pra ver q todos os personagens (e nós tbm) têm ambos em sua essência...
Por outro lado, apesar de toda a 'indiferença' do universo/natureza diante do sentimento humano (como o da perda da mãe), pra mim o filme ainda teve uma forte msgm religiosa (pelo menos no q trata ao q tenho como religião): nas minhas orações diárias, agradeço a Deus por, em meio a esse universo infinito, Ele ter me dado a vida e a oportunidade de ser feliz.
Enfim, o filme merece uma conversa longa e regada a cerveja...
Beijão, quirida.
Israel