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04 novembro, 2012

Gonzaga - de pai pra filho

Eu estava grávida, a poucos dias do nascimento do meu filho, quando ouvi a notícia da morte de Gonzaguinha. Era nova demais para entender a importância de sua obra mas ela já me tocava profundamente, e naqueles dias de angústia e esperança fiquei ainda mais triste com sua morte prematura.
Hoje, Gonzaguinha é, sem dúvida nenhuma, um de meus cantores e compositores preferidos. Se um dia eu conseguir fazer uma lista com as músicas que mais me emocionam, com certeza terei ao menos duas ou três músicas dele entre as prediletas. Sangrando me faz chorar sempre que a ouço, e não há nenhum motivo daqueles comuns, como uma grande paixão ou uma grande decepção, somente a profundidade da música mesmo, com toda a sua beleza e emoção.
Adiei a ida ao cinema para ver Gonzaga. Sabia o que me esperava, e não sabia se conseguiria aguentar a emoção que esse filme me proporcionaria. Além de Gonzaguinha, que marcou minha adolescência e o início da vida adulta, Luis Gonzaga começou a entrar em minha história quando vim morar no nordeste. Ambos, hoje, são parte de minha memória musical afetiva.
O filme toca em um tema que me é especialmente difícil. Pouco contato tive com o meu pai, e nunca consegui entender o seu distanciamento. Com minha mãe, sempre vivi momentos difíceis que só a maturidade vieram equilibrar, mas um equilíbrio fragilizado por mágoas que não se apagaram. Meu filho cresceu rápido demais e eu não consigo ainda compreender suas escolhas, apesar de tentar respeitá-las. E tudo isso dói demais. Aliás, hoje, percebi que tudo isso dói mais do que eu gostaria de aceitar.
O filme começa com um show de um Gonzaguinha triste que, após um show, se vê sozinho ao lado do cigarro e da bebida, e nada mais. Uma mulher surge e diz que seu pai precisa dele. Ele diz que não vai.
Toda a trama envolve a memória e os motivos de ambos. Por mais que justificadas, as ações magoam e não é fácil superar a dor que elas causam. Uma cena especialmente dura pra mim é quando o pai diz pro filho que nunca deixou lhe faltar nada, e o filho responde: só faltou você. Uma fala gravada em uma fita cassete de uma marca muito maior que já ia na alma de Gonzaguinha. A grande angústia é que a dor que um proporciona ao outro parece doer ainda mais em si mesmo. E tudo isso com a trilha sonora que ambos criaram ao longo de suas carreiras. Poucas vezes eu vi o cinema inteiro chorando e aplaudindo. Mais que merecido.


15 agosto, 2012

sobre as saudades...sobre à beira do caminho...


Filmes sobre relações familiares sempre me tocam muito, especialmente quando envolvem distanciamentos que se justificam em dores, raiva ou orgulho. Se for um filme com trilha sonora do Rei, fica ainda mais difícil não se emocionar.
Fui ver “À beira do caminho”, de Breno Silveira, com o sempre fantástico João Miguel (me lembro do impacto que ele me causou em Cinema, aspirinas e urubus). A história cheia de sutilezas vai se desenrolando em flash back enquanto o caminhoneiro cruza o país pelas estradas, substituindo à contragosto sua quase teimosa solidão pela presença de um menino que mudaria sua vida ao buscar pelo pai desconhecido depois da morte da mãe. A figura sisuda e desgrenhada do João atual é oposta àquela do sorriso aberto e dos olhos brilhantes, figura simpática e alegre contrastando com a tristeza da perda e do afastamento... Perdi as contas das vezes que chorei ao longo do filme, especialmente embalado pelas músicas de Roberto Carlos. Ao final, a sensação de que eu viverei eternamente com saudades...

12 agosto, 2012

sobre meu companheiro mais fiel...



Há 12 anos e alguns meses eu entrei numa loja e comprei uma bolota de pêlos brancos sujos que depois descobri que não era branco, era champagne.  Dirigi até o colégio onde meu filho estudava e ainda me lembro da expressão de alegria e surpresa com a qual ele o viu pela primeira vez. Depois de duas Sophias, um Fidel e m Marx, ele decidiu que daria o nome àquela criaturinha, e eu temi por mais um nome de Pokémon. 
Tchaikóvsky. Vai se chamar Tchaikóvsky, mãe. Eu sorri por dentro tão intensamente que nem perguntei o motivo, medo de ter sido uma alucinação. Me lembrei dos livros infantis sobre as obras de artistas  como Da Vinci e Mozart que havia dado à ele e pensei que este era o motivo. Era, mas não o único. Uma geração de cachorros lindos chamados Beethoven faziam sucesso na TV. Eles tinham os Beethoven, nós teríamos o Tchaikóvsky.
Perdi as contas de quantos pares de sapato eu perdi quando o 10º tinha sido comido. Perdi a paciência com a sujeira e os latidos nas madrugadas, que seguem ainda hoje quando eu chego da rua (parece que alguém está tentando esganá-lo, tão angustiante é o seu grito). Mas nem sei o quanto ganhei nesses anos todos. Impossível medir o amor de qualquer ser humano por outro, mas acho que amor de cachorro já é medida absoluta, independe de qualquer coisa.
Um carro passou por cima dele e quase entrei em pânico ao ver tal cena, só vi um vulto passando correndo e entrando em casa, se escondendo debaixo da cama. Não tive coragem de ver e desesperada pedi ao vizinho que o fizesse por mim. Parte do seu “rosto” havia ficado no asfalto quando o carro passou por cima dele, mas não as rodas, só o fundo. Não consigo imaginar como ele sobreviveu àquilo. Acho que difícil pra ele foi usar aquele abajur enorme em volta do pescoço pra não lamber o ferimento.
Um dia minha mãe veio e, compulsva por limpeza que é, resolveu dar banho no Tchai. Esse banho não acabava nunca e eu fui ver o que era. Ela não se conformava com o fato da sujeira não sair. Tive que explicar que ele não era branco, mas champagne (a cor que o veterinário colocou na carteirinha de vacinação dele). Aquilo não era sujeira. Mas ele ficou uns bons dias com a pele toda vermelha. Hoje ele tem partes cor-de-rosa. Mudou.
Ele engravidou minha pastora alemã e minha pit Bull. Acho que elas colaboraram. Há, esqueci de dizer que aquela bolota branca é um poodle. E não era micro (nem “puro”) como me disse o vendedor (não importava o que ele dizia, eu ia levá-lo de qualquer jeito). Vários e vários filhotes nasceram disso, mas não vi nenhum adulto, seria engraçado ver como ficaram.
Nos mudamos não sei quantas vezes. Numa dessas, o menino que o olhava com olhos doces no primeiro dia e em todos os outros nos deixou. Outras tantas pessoas passaram, ele sempre se entregando naquele amor incompreensível para um humano. Acho que só os cachorros entendem de verdade o amor...
Onde quer que eu vá, ele está ao meu lado. Já não enxerga direito, mas conhece os caminhos e os cheiros. Quando há um novo obstáculo, ele tropeça, mas continua. Há alguns meses meu Nietzsche se foi. Ele procurou no carro quando voltei sozinha pra casa. Adotei um outro cachorrinho para fazer companhia a ele sem ter entendido que em sua velhice ele quer sossego, e não um novo companheiro chato que fique tentando morder seu rosto para fazê-lo brincar. Acho que no fundo a adoção foi muito mais por mim que por ele.
Hoje minha sobrinha fez o que criança faz tão bem, que é falar a verdade, sem amarras nem medos.
... Tia, você vai morrer quando o Tchai morrer né...


05 julho, 2012

sobre a escatologia do ser


o dia passou intranquilo e rápido demais para dar ao tempo o tempo preciso para diminuir as mágoas que o próprio tempo gerou. sabia-se doído e por isso decidiu esconder-se no abrigo de sua solidão para recompor os movimentos que sobrepujavam sua alma também intranquila, caída e torta, levando-o como pluma ao vento e deixando-o cair em qualquer esquina como parte destituída de sentido. Buscou na lua plena um toque de sensibilidade que o enviasse para além da vida que o impeliria à morte, mas o cruel dessa vida levou-o de volta ao chão que mantinha seu corpo acima do limbo, apesar de todo o seu ser já há muito estar lançado à escatologia própria do ser que de humano pouco ainda tinha, tão desprovido daquilo que em nós nos faz enganosamente maior. Sentiu frio com o vento que vinha do norte e pendeu para o lado como galho torcido prestes a quebrar. Deteve-se um momento antes de deixar-se levar pela ânsia que o invadia e tomado por um instante de lucidez jogou-se no chão como quem se defende de um ataque aéreo. Mas em instantes percebeu que para o ataque a que estava prestes a sofrer, nenhum tipo de defesa seria possível. Vencido, dobrou-se como os sinos que avisam que a tragédia chegou.

sobre pouco, quase nada, do muito que poderia ser

uma onda de desânimo foi invadindo muito lentamente sua alma como sol que se põe e só o que se percebe são as mudanças nas nuances coloridas no céu.Olhava em volta como se estivesse em um mundo paralelo, vendo os gestos, ouvindo as vozes mas não se sentindo parte deles, como em câmera lenta em outra dimensão. Tentava se desvencilhar daquela angústia mas impedido que estava, deixava-se pender de um lado ao outro em busca do copo barato com a bebida agora quente. Como em sonho, buscava se desvencilhar das cordas que o amarravam mesmo sabendo que não havia corda alguma além da desesperança. Por muito pouco apegava-se, pelo mesmo pouco era capaz de voar para outra dimensão como águia faminta que desdenha até os mais bravios perigos pelo simples fato de saber-se capaz de voar mais alto sem deixar-se abater. Sabia-se vencido, mas mesmo assim voou.

04 junho, 2012

sobre angústias outras...

vagou entre os pés das pessoas em seus sonos etílicos com um misto de esperança em encontrar alguém acordado e medo de ser visto encarando caso um deles acordasse. Sua angústia tinha nome e sobrenome, tinha cor, tinha sorriso e choro, tinha amigos, tinha sonhos, e não é possível se esconder de uma angústia assim tão definida, tão presentificada. Mas como a maioria das angústias, essa não vinha sozinha, transmutava-se em outras ainda maiores e mais amargas, em lembranças tristes ofuscadas constantemente pelo álcool ou pelo trabalho, mas ali não havia nem um, nem o outro. Angústia, angor, um estreitamento, um apertamento que dói. Lembrava que saudade não é só de uma pessoa, mas dos sonhos sonhados juntos, dos amigos compartilhados, das vitórias iniciais que poderiam ser ainda maiores, saudade do que não se viveu... Pensava em tudo o que fazia sabendo que não devia fazer, mas quem é que determina o que se deve ou não fazer? Pensou que as convenções que criticam certos atos são ridículas e deve-se sempre rir delas, e que a melhor maneira de se rebelar é agindo exatamente assim, como filho rebelde que faz exatamente o que os pais não querem somente pelo prazer edipiano de contestação. Até que um dia se começa a ver que o problema não está nas convenções, mas em tentar descobrir o que é certo ou errado em função dos desejos mais amplos, mais profundos, mais verdadeiros, mais íntimos. Que o que alguém define como certo pode não ser o certo pra você, e que por isso mesmo não há como definir em regra o que se deve esperar de sí mesmo. Que cada ato tem uma reação e que não é possível fugir de certas perdas. Que o que muitos chamam de liberdade pode ser a maior das prisões. Ser livre não é fazer qualquer coisa, mas saber escolher aquilo que se deve fazer, e esse dever não está naquilo que seres pudicos determinam, mas em entender que certas ações podem ampliar ou reduzir suas chances de ser feliz...Se algo que se faz, faz bem momentaneamente, mas impede de vivenciar outras situações maiores e mais prazerosas, esse tipo de prazer acaba por impedir mesmo um grande prazer real. Mas como saber? Como fazer? Com quais prazeres se escolhe ficar? Por que não é possível ter todos ao mesmo tempo? Sim, não é justo, melhor seria se fosse possível sempre ter tudo (será?), mas nem sempre é possível dançar a noite toda e ainda ter alguém pra brincar e dormir junto depois...O bom da angústia é que chega um momento em que esse apertamento devanece, começa a afrouxar, para novos sonhos começarem a se formar, como tinta em tela que, uma vez sobreposta, engole o branco como o vazio foi engolido, aos poucos, e nem sempre, nem para sempre, mas com uma pequena força que cresce e toma seu lugar....

03 junho, 2012

sobre a vida e seus Instantes

ele entrou no carro e sentiu o silêncio que pesava, tão oposto ao estridente lá fora...seguiu devagar pelas ruas absolutamente inertes numa velocidade muito abaixo da ideal para quem vai sozinho pela vida. Dentre as possibilidades todas, escolheu a menos provável. Além de deixar o show mais cedo, iria mais cedo para casa.
Uma tristeza meio leve mas extremamente óbvia transportou-o pelo caminho. Revia seus passos nos últimos dias e não compreendia o que se passara. Tudo parecia em câmera lenta contrastando com a efusividade fútil anterior ao dia em que a beijou. Contrariando as obviedades, contrariando as possibilidades todas que o cercavam, foi naquele beijo e no carinho dela que ele simplesmente sentiu-se leve, como há muito não sabia...pelas obviedades que separam versos distintos, quando uma peça parece muito diferente da outra para encaixar-se pelas vicissitudes sociais, retraiu-se por um momento, como quem vive um sonho absurdo e acorda com medo que alguém tenha percebido...ouviu admirado alguém que indiretamente dizia que aquilo não era assim tão absurdo, que podiam viver a intensidade do momento sem pudores ou retraimentos. Ele, acostumado que era a retrair-se e por isso mesmo era tão criticado, decidiu mudar. Decidiu viver aquilo na intensidade que seu corpo pedia, que sua alma clamava, tomado pela voz doce e segura que o levava pelos belos caminhos que a noite trazia...Hermeneuticamente tentou compreender os sinais, embarcou neles disposto a mudar seu retraimento sempre tão combatido. Decidiu que tomaria as rédeas na transposição do rio da vida, que duraria alguns instantes, mas que poderiam ser inesquecíveis...E foi. Brincou; Mostrou-se. Desnudou-se. E morreu.